Recentemente foram postados dois textos no blog sobre duas formas de extinção dos contratos de concessões e de parcerias público-privadas – PPPs, a caducidade e a encampação. Mas você sabia que há uma forma do poder concedente atuar diretamente numa concessão, sem rescindir o contrato? Pois bem, há, e ela ocorre por meio da intervenção nos contratos de concessão e de PPPs.
A intervenção está prevista nos art. 32 ao 34, da Lei Federal n.º 8.987/1995. Este texto abordará alguns aspectos, como a definição, os requisitos para a sua utilização, procedimentos e a forma como ela pode impactar um contrato de concessão e de PPP. Responderemos as seguintes perguntas:
- O que é intervenção?
- Requisitos para a ocorrência da intervenção nos contratos de concessão e de PPPs?
- Como se declara uma intervenção nos contratos de concessão e de PPPs?
- O que o poder concedente deve realizar após declarar a intervenção?
- A intervenção nos contratos de concessão ou de parceria público-privada é definitiva?
O que é intervenção?
A intervenção ocorre quando o poder concedente, com o intuito de assegurar a adequação da prestação do serviço, além dos cumprimentos de normas contratuais e legais, intervém na prestação dos serviços, conforme o art. 32, da Lei Federal n.º 8.987/1995.
Nesse ponto vale esclarecer que não se deve compreendê-la como uma mera interferência, leia-se, como uma mera correção ou paralisação do contrato. Isso porque quando o poder concedente declara a intervenção, ele substitui a concessionária na prestação dos serviços, assumindo todo o aparato que esteja à disposição.
Observa-se, portanto, que a intervenção é um instrumento forte, que pode provocar mudanças consideráveis na prestação do serviço, dependendo da forma como é utilizada. Destaca-se que seu objetivo final deve ser:
- Garantir a adequação na prestação dos serviços; e
- Garantir o cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais.
A partir da finalidade deste instituto, podemos verificar os requisitos para sua utilização.
Requisitos para a ocorrência da intervenção nos contratos de concessão e de PPPs
Conforme visto, a intervenção possui finalidades claras. Dessa forma, para que o poder concedente possa intervir na prestação do serviço a fim de concretizar essas finalidades, devem estar presentes certas condições.
No caso da intervenção os principais requisitos são: 1) a inadequação na prestação do serviço; e 2) o descumprimento pela concessionária de suas obrigações. Sobre a inadequação da prestação dos serviços não há muito o que se falar. Basta que o serviço não esteja sendo prestado da forma correta.
Já sobre as obrigações, vale um destaque. Ela pode ser decorrente da inadequação da prestação do serviço, porém pode ter um caráter mais amplo. Por exemplo, a prestação dos serviços pode estar regular, mas a concessionária pode estar descumprindo outras normativas, que não impactam, a princípio, nos serviços prestados.
Por isso, estas obrigações devem ser compreendidas de forma abrangente, englobando obrigações contratuais, normas regulamentares do segmento, bem como normas gerais relevantes do sistema jurídico.
Em suma, a intervenção pode ocorrer pelo descumprimento de um ou mais desses requisitos.
Como se declara uma intervenção nos contratos de concessão e de PPPs?
Conforme apresentado, o poder concedente deve observar alguns requisitos para declarar a intervenção, não obstante, isso também deve ocorrer em relação a sua forma. De acordo com o parágrafo único do art. 32 da Lei Federal n.º 8.987/1995, a intervenção precisa ocorrer por meio de decreto.
Além disso, a norma citada prevê que, neste mesmo ato, já deve estar indicado pelo executivo quem será o interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. Ou seja, ao decretar a intervenção em um contrato de concessão ou de PPP o poder concedente já deve, de antemão, ter realizado o mínimo de planejamento e preparação para assumir o comando da prestação dos serviços, com as indicações básicas de quem irá administrar, por quanto tempo e quais os poderes o interventor terá.
O que o poder concedente deve realizar após declarar a intervenção?
Pois bem, ao declarar a intervenção, o art. 33, da Lei Federal n.º 8.987/1995, prevê que o poder concedente deve instaurar procedimento administrativo, no prazo de 30 (trinta) dias. Esse procedimento tem por finalidade comprovar as causas que fizeram o poder concedente declarar a intervenção, além de apurar as responsabilidades da concessionária.
Nesse ponto, vale destacar que é necessário garantir à concessionária o direito à ampla defesa, a fim de possibilitar a apresentação de sua versão dos fatos, provas e demais documentos. Isso a fim de garantir a observância de princípios constitucionais.
Assim, a concessionária poderá tentar afastar a hipótese de responsabilização, bem como comprovar que ainda possui condições para voltar a assumir a prestação dos serviços.
Além disso, para que o processo não se arraste ao longo do tempo e provoque implicações danosas, o parágrafo segundo do art. 33 estipula que o prazo para a conclusão deste processo é de até 180 (cento e oitenta) dias. Como medida sancionatória, o dispositivo prevê que a não conclusão dentro do prazo estabelecido implica na invalidação da intervenção.
A intervenção nos contratos de concessão ou de parceria público-privada é definitiva?
Não. A intervenção tem por base ser uma medida transitória e temporária, ainda que possa ser renovada ou ocorrer em outros momentos da execução do contrato.
Nesse sentido, cessada a intervenção, a administração do serviço retorna à concessionária, que dará continuidade à sua execução conforme estabelecido no contrato, nos termos do art. 34, da Lei Federal n.º 8.987/1995.
Durante o período no qual a concessionária ficou afastada da administração do serviço, o responsável pelos atos praticados é o interventor. Assim, ao repassar o serviço novamente para a gestão da concessionária, este deverá realizar a prestação de contas e responder pelos atos praticados na condição de administrador.
Importa frisar que o retorno da concessionária na administração dos serviços só não acontecerá se da intervenção resultar a extinção da concessão, seja pelo decurso do prazo contratual ou por alguma outra forma de extinção do contrato.
O caso de intervenção na PPP do projeto Piauí Conectado
Como exemplo sobre o tema, vale destacar o recente caso do projeto Piauí Conectado, iniciativa monitorada no Radar de Projetos, plataforma web desenvolvida pela Radar PPP.
O projeto foi uma PPP para construir, operar e realizar a manutenção de infraestrutura de transporte de dados, voz e imagem, para o Governo do Estado do Piauí. O edital de licitação foi publicado em 15/08/2017 e o contrato assinado com a concessionária SPE Piauí Conectado S.A. em 05/06/2018.
O contrato seguiu sem grandes intercorrências até o ano de 2023. No final do primeiro semestre de 2023, a Diretoria-Geral da Agência de Tecnologia da Informação do Estado do Piauí, instaurou processo sancionatório para apurar supostas irregularidades cometidas pela concessionária.
Já no segundo semestre daquele ano, questões judiciais ganharam destaque, inicialmente, com o processo no qual a concessionária buscava a liberação de verbas depositadas, atinentes à garantia do contrato, chegando a discussão ao Superior Tribunal de Justiça (Processo n.º 2023/0423955-2).
Em 06/12/2023, foi publicado o Decreto Estadual n.º 22.594, de 05/12/2023, que declarou intervenção no contrato, pelo prazo de 60 (sessenta) dias.
Após isso, a concessionária buscou novamente o Poder Judiciário para solicitar o retorno dos administradores e do pessoal técnico responsável pela operação da SPE Piauí Conectado S.A. aos cargos que ocupavam antes da intervenção.
Entre as diversas decisões judiciais, o Governo do Estado do Piauí prorrogou, por 30 (trinta) dias, a intervenção no contrato, em 05/02/2024.
Algumas semanas depois, após Reunião do Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privada, o Poder Executivo declarou, por meio do Decreto Estadual n.º 22.785, de 26/02/2024, a caducidade do contrato.
Conclusão
A intervenção nos contratos de concessão e de PPPs, regulada pela Lei Federal n.º 8.987/1995, representa uma ferramenta direta do poder concedente para assegurar a conformidade e o cumprimento das regras contratuais e legais na prestação de serviços. Ela tem por base a substituição da concessionária pelo poder concedente na prestação dos serviços.
Para ser utilizada, é necessário atender a critérios bem definidos, como a inadequação na prestação dos serviços e o descumprimento das obrigações pela concessionária. Há também que se assegurar à concessionária o direito à ampla defesa, em processo administrativo.
O retorno da concessionária à administração dos serviços ocorre após a intervenção, precedida de prestação de contas pelo interventor, salvo se o poder concedente extinguir a concessão.
Exemplo da utilização recente do instituto da Intervenção está presente no projeto Piauí Conectado, do estado do Piauí, que, após um período de intervenção do poder concedente, culminou na extinção antecipada do Contrato da PPP.